08 April 2010

Festival EP ao Vivo 2010 (agora visto de dentro pelo M)
Foge-se sempre do inexplicável. Do que não se quer ou não se consegue perceber. Encontra-se refúgio onde se pode; por entre pensamentos e palavras, mesmo quando estas nos iludem de seu significado e perdidos nos deparamos com o vazio da nossa própria mente. A sensação de impotência é imediata: avistamos os limites das nossas capacidades e entre eles a nossa própria finitude. Amodorrados por um sentimento cuja definição exacta e fidedigna nos escapa por entre todas as morfologias vigentes. Algo que se sente tão presente e real que praticamente palpável, mas por mais que se tente não se consegue definir de forma precisa e satisfatória. Acontece durante uma enorme descarga de prazer extremo, de felicidade ou alegria; momentos de stress ou excitação invulgar. Os momentos pelos quais ansiamos e vivemos. Ironia das ironias acontece também aquando de uma grande desilusão: o enorme pesar de uma dor que fustiga e impregna a própria essência do nosso ser e nos deixa impreterivelmente desamparados. A linha entre ambas é tão ténue…
Uma noite chuvosa e fria não auspiciava grande sucesso. A colectividade organizadora atrasada na resolução de problemas técnicos normais: qual o evento que acontece sem percalços? Grande parte dos intervenientes presos no previsível amálgama irracional do trânsito: acentuado pela intempérie que se abatia naquela noite. O jantar estava previsto para as 20h. Entretanto, as cadeiras do auditório são mudadas, repostas: viradas e reviradas; subidas e descidas sem que se chegasse a algo: um simples consenso. A hora a que nos deveríamos estar a sentar à mesa chega sem que nada mude substancialmente. Pouco depois começa o soundcheck do outro interveniente da noite: Wingman. Experiente e seguro das suas capacidades. Ciente do que tem para mostrar e o tanto que isso vale. O meu temor é avassalador. A dúvida instala-se nas qualidades que sempre e sempre colocamos em questão: é uma pena não o fazermos também com as nossas inseguranças. O nosso soundcheck termina bem, tendo em conta o tempo de preparação que tivemos para este concerto, diferente do habitual; ainda de instrumentos em punho dizem-nos que são 22h: hora oficial de abertura das portas. Não jantamos: faz parte e ninguém reclama. A organização tem a gentileza de nos trazer em vários tupperwares o jantar que nos estava destinado: frango no churrasco com batata frita e arroz. No pequeno backstage onde trocamos de indumentária e terminamos os poucos preparativos que por enquanto nos podemos permitir – tudo à nossa escala, evidentemente – o frio é cortante. Preocupam-me as mãos geladas para conseguir tocar, os dedos rígidos, pouco ágeis e lentos naquele preciso momento. O Samuel sugere-me um truque: apenas uma das muitas receitas tradicionais caseiras das quais é especialista e conhece os segredos: “Lava as mãos com água fria! É a melhor maneira de as aquecer.” Respondo-lhe jocoso um qualquer impropério, misto de incredulidade e nervosismo crescente que nos instantes antes de cada entrada em cena se apodera de mim. O seu notório espanto perante a minha incredulidade comove-me e leva-me a outras paragens. Deambulo enquanto observo aquelas singelas traseiras, mais habituadas a peças teatrais do que a concerto de música. Por entre as cortinas negras que nos escondem vai-se olhando a sala; a entrada do público: alguns rostos conhecidos, outros nem tanto. As cadeiras preenchem-se uma a uma, por vezes aos pares ou até mais: sempre mais do que o que acreditamos, mas nunca quem verdadeiramente esperamos. É árduo e penoso este percurso: aprender a não esperar nada, percorrer o exterior quotidiano no superficial de qualquer ligação substancial, sem enlace ou paixão. Abandono total de esperança no anódino, corriqueiro e descartável que nos rodeia e enclausura por entre as suas impiedosas malhas. Uma insípida fleuma inalterável que se apodera e nos deixa mais sozinhos que nunca. Só nos apetece abandonar. É a força de alguns que por estímulos dita as nossas vontades. Porquê resistir-lhes? Será esta a razão destes pequenos “espectáculos”? Pequenos acontecimentos que nos afastam da rotina e nos despertam para a sensação de existir individualmente neste universo. Servem de mote: como afirmação para o grito de revolta que pelo menos uma vez na vida e sob as mais variadas formas cada um de nós deveria sentir necessidade de dar. Advêm da consciencialização da nossa existência e insignificância da mesma. Será esta a razão porque o faço? Já não sei… eu já não sei porque o faço… ou se deva continuar. Já não sei se acredito... e a cada dia que passa, choro. Talvez eu tente demasiado e a espontaneidade que prezo acima de tudo se perca.
As pessoas continuam a entrar: “o concerto é para elas” penso. Para as que estão e as que não estão e deveriam estar. Velhos amigos ausentes mas sempre presentes; antigos amores cantados no avassalador sentimento de perda que os acompanha. Será sempre para eles…
O técnico de som entra naquelas minúsculas traseiras que servem de backstage; para minha enorme surpresa vem a cantarolar o refrão de um dos nossos temas na sua versão original. Não imaginava sequer que se tivesse dado ao trabalho ou curiosidade de ir ouvir. Senta-se num canto a comer parte do frango e batatas que entretanto alguns elementos da banda e um acompanhante decidiram atacar; bem-disposto diz-nos: “Vai correr bem, o som está porreiro. Gostei da vossa cena.” Sinto-o a ele bem mais confiante que qualquer um de nós.
Nuno (responsável do evento) vem avisar-nos: “mais 10 minutos, apresento-vos e vocês entram.” O nervosismo é agora bem patente entre todos. Só o técnico de som responde, bem-humorado entre duas garfadas: “na boa Nuno!” Os mesmos movimentos sucedem-se entre todos à vez: olhar-se ao espelho para arranjar a roupa que já não o necessita. Fumar um cigarro saltitando, mexendo-se sem sair do lugar num incontrolável tique nervoso. Andar de um lado para o outro… O Samuel desabafa um: “Fod…! Passa-me uma coxa!” E desata a comer a coxa de frango à mão sob o olhar silencioso de todos. Depois de acabar lava as mãos e enquanto as seca lança: “Já está! Estou pronto, vamos lá?” e solta uma ruidosa gargalhada contagiante que tem o condão de distrair e descontrair toda a gente, alheando o nervosismo que em todos estava a vir ao de cima e até no habitualmente silencioso da banda se denotava. Por entre sorrisos que se esbatem na agradável réstia deste singelo episódio ouve-se do outro lado da cortina o discurso de abertura do festival. Cada um decide apressadamente por onde vai entrar e coloca-se em posição.
“Agora convosco: The Mystery Artist”

The End Part 2
Mr. Person
Funny Little Town
The Glass Shoe
Slow Show (The National)
Travels
Hollywood

O rescaldo trouxe-nos os elogios da organização, considerando-nos a “melhor banda espinhense” que passou pelo festival nos seus 5 anos de existência, não obstante apenas um dos elementos ser de Espinho, mas enfim… também já fomos de Carrazeda de Ansiães portanto julgo que mal nenhum haverá nisso.
Uma nota final em jeito de Post Scriptum, todo o concerto do dia 5 de Março de 2010 no Auditório da Nascente em Espinho foi dedicado à pequena Nádia – filha do nosso espirituoso baixista Samuel – que pela primeira vez assistiu a um concerto do pai.

M

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